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Você é o que você escuta ou você escuta o que você é?

Política & Sociedade, Por Rudolph Hasan, Cientista Social (UERJ) e Mestre em Sociologia (UFF)

Em 29/08/2024 às 09:59:18

Esse texto seria polêmico mesmo se não fosse traduzido em palavras. É assunto quente na mesa do bar, na roda de chope e nos grupos de whatsapp, mas não podemos deixar de tocar na ferida e fazer a pergunta: O que você, povo brasileiro, anda escutando, financiando e reproduzindo por aí?

A música é uma das formas mais antigas de expressão cultural, sendo fundamental para a transmissão de valores e comportamentos, além de instrumento central na formação das linguagens e da comunicação em sociedade. A religiosidade e os mecanismos de interpretação da condição humana, desde o início dos tempos, são atravessados pela música, condicionando de forma objetiva a forma como determinada sociedade e cultura vislumbra sua existência e o universo ao seu redor.

Tendo por base essa simples e resumida introdução, entendemos a música como um elemento basilar para identificar como se observa determinada sociedade, perante si e o mundo. Cada letra e componente harmônico são expressões cruas da realidade através da qual se observam as culturas humanas. Hinos de guerra ou a valorização de nacionalismos dominavam as produções musicais nos períodos de guerra. Durante o regime militar brasileiro e após seu declínio, sempre foi comum observar letras voltadas a valorização da liberdade, questionando a truculência ou exaltando valores democráticos. A corrupção e o desapontamento também marcaram famosas composições após as eleições de 89. Até ai, nada de novo. A música, ao que parece, cumprindo uma de suas funções: Expressar dores e angústias de determinada sociedade em recorte temporal específico.

Dando um verdadeiro salto na história, vamos ao início do ano de 2024. Local? Brasil mesmo. Lá em 30 de janeiro, as 3 (três) principais músicas tocadas no Spotify estavam classificadas como inapropriadas para menores. Segundo artigo publicado por Gabriel de Arruda Castro na Gazeta do Povo de 04/02/24, as top 3 de janeiro eram:

1- Deja Vu – Interpretada por Ana Castela e Luan Santana, com o seguinte refrão: “Marca com outro um barzinho na sexta, um motel no domingo, mas aguenta os déjà vu comigo.”

2- Let´s Go 4 – Gravada pelo DJ GBR, Mc IG e Mc Luki. A letra é uma mistura de drogas, sexo, ostentação, grana e toda sorte de sacanagem.

3- POCPOC – Essa é do Pedro Sampaio e descreve uma ato sexual.

Obviamente que esse texto é baseado em constatações fáticas e busquei referências em um artigo de fevereiro para embasar a opinião, contudo, a curiosidade e a fundada mania pela busca de evidências de um típico sociólogo não me deixariam sem procurar por mais provas. Rapidamente identifiquei as 3 (três) mais tocadas desse mês, e adivinhem o que achei?

1- RAM TCHUM – Da Ana Castela, Dennis DJ e Mc Gw. A letra? É tão tosca que a compreensão é comprometida, mas fala de uma mulher que tem uma caminhonete e os caras ficam correndo atrás dela.

2- Baby eu tava na Rua da Água – TR, Mc Menor RV, Tropa da W&S. Bom, essa aqui tem um menor de idade simulando ser soldado do tráfico de drogas, dialogando com outra menor de idade e deixa de maneira explícita que mantém relação sexual com a menor.

3- Rolé na Favela de Nave – Oruam, Didi, Dj Lc da Roça e MC K9. Não vou falar muito dessa aqui. Menor de idade ao som de propaganda do uso de drogas, apologia ao tráfico e exaltação do roubo de veículos.

Se você chegou até aqui nesse artigo, te desafio a entrar na internet e escutar todas essas músicas, se possível assistindo aos clips. Sei que alguns acharam ser conservador esse teor opinativo, mas, antes de qualquer juízo de valor, lembre-se que a defesa da dignidade humana, a proteção da criança e do adolescente e a não objetificação do corpo feminino são valores que norteiam esse articulista. Sendo assim, observem novamente e mais uma vez essas obras e revejam qualquer rótulo equivocado.

Feitas as devidas considerações, indago ao leitor: Onde estão ai, nessas letras, o reflexo fiel – ou mesmo que turvo – da realidade dura de um Brasil marcado pelo ódio, intolerância, pela fome, pelo feminicídio, pelos homicídios nas grandes capitais e no interior e por ai vai? Onde se esconderam todas as mazelas e dores daqueles que residem em precariedade ou que ganham o pão de cada dia através de subempregos que remontam a escravidão? Problemas conjugais, questões sexuais, relacionamentos, sofrimento por traições, louvor ao consumo de drogas e a exaltação a ostentação seriam as dores ou alegrias reais da população brasileira em agosto de 2024?

Faço os questionamentos acima com o objetivo de provoca-lo, querido e paciente leitor, a refletir sobre as dimensões da realidade que são expressadas pela maioria da população brasileira. De certo, essas questões não estão nem perto de serem problemas ou as dores mais doloridas do nosso provo sofrido, entretanto, são esses temas que nossas músicas mais reproduzidas expressam, demonstrando de forma cristalina uma total desconexão da população com a realidade objetiva.

Poderíamos, talvez, a partir das lentes do marxismo lúcido da Escola de Frankfurt , entender esse movimento alienante como fruto da indústria cultural, que torna as expressões da cultura mercadoria. Adorno, Horkheimer ou Benjamin interpretariam esse movimento como fruto dos esforços de uma burguesia em transformar elementos centrais da expressão em trocas comercializáveis. Talvez tenham certa razão. Em verdade, é provável que tudo tenha começado assim, mas, com o advento das redes sociais e da sintetização dos produtos em favor do volume proporcionado pelos algoritmos, é evidente que identificamos uma nova etapa do controle social total, marcada pela verdadeira “lobotomização” dos contingentes populacionais.

A lógica da oferta indiscriminada de conteúdos variados de poucos segundos, proporcionada pelo algoritmo das redes sociais, promove um vício incontrolável por conteúdos simplórios. Nessa toada, as músicas precisam ser medíocres e não ter profundidade. Afinal, como comunicar, desde a raiz, pensamentos complexos ou sentimentos elevados utilizando poucas letras de um alfabeto tão rico? Impossível!

Sem sombra alguma de dúvida, vivemos um momento onde a maioria da população foi levada a total desconexão do real. Aquela história de “Matrix”, do cinema estadunidense, parece fazer todo sentido. Homens e mulheres, precarizados ou não, diplomados ou não escolarizados, que só pensam em relacionamento, ostentação, uso de algum alucinógeno ou em sexo pelo sexo, só podem estar sob efeito da complexa trama de controle mental exercida por meio da cultura dos algoritmos. Ora, quem consegue chegar em casa e escutar um pagode falando de relacionamento ou sentimentos fugazes após passar por uma criança ou idoso pedindo esmola, alcançou o nível máximo de egoísmo ou está sob o efeito total dos mais eficazes entorpecentes de controle social.

Sei que alguns dirão ser esse texto uma peça conservadora e elitista. Vão exaltar uma “cultura popular” e afirmar com gosto que reside aqui algum tipo de preconceito. Tomem cuidado! São esses os mesmos que, seja por boa vontade ou movidos por sentimentos escusos, enaltecem a pobreza objetivando tão somente a manutenção das formas de exploração.

O desafio está lançado. Se você chegou até aqui, desejo de coração que largue o feed do seu instagram ou tik toc e invista mais na observação do mundo que está ai fora. Não permita que lhe tirem a indignação e a revolta. Ser alguém indiferente ou que se esconde sob o discurso de que a alienação é anestesia necessária, significa ser um morto em vida. Acorde!

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